quinta-feira, 31 de março de 2011

Ler é despertar o texto do silêncio. Rotineiramente, na prática da leitura em voz alta, mania que vem do rádio, do gosto por áudio-ficção, pela necessidade de ouvir canções. Ou mesmo através de nossa imaginação sonora. Vozes chovem na mente de quem lê, tão ou mais límpidas que nos ouvidos de quem ouve. Cada texto tem um tempo para ser pronunciado, o ritmo e a respiração do autor. Na prosa, na poesia. Ler é buscar o diferente. Porque já estou em relação com o outro e os outros. Na leitura literária, vale o estranhamento sobre aquilo que não fui, nem serei, onde não estive, nem chegarei, não fosse aberta uma passagem meio às letras (e das ilustrações também). Ler é trabalho. Atividade intelectual, uma enxada, uma dificuldade, um contrato sem direito a férias antecipadas. Somente depois de consumidas suas forças, virá o voo, a viagem. Ler é reler. Conseqüência: jamais se deixar convencer por uma leitura só do texto. A leitura é a contingência de um jogo de sincronias (no qual, a palavra ‘r-e-l-e-r’ me revela o propósito de ir e vir sobre um texto), num lance não linear. Ler é transar com o texto. Dar trânsito aos sentidos, antes de tomar posse do enredo, personagens, estrofes, aliterações, uma, várias ou interpretação nenhuma. Ler é combinar textos. E não apenas verbais. Ler é desarmar-se. Para viver.

(Tirado do blog Gabinete de ideias de Peter O'Sagae - http://peterosagae.blogspot.com)

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